sábado, 11 de outubro de 2014

Livro didático exalta Dilma e deprecia PSDB, Serra e Marina

Um livro didático de Língua Portuguesa para o 6º ano do Ensino Fundamental(*) usa uma charge para comparar a capacidade de decisão da presidente Dilma Rousseff com seus adversários políticos Marina Silva e José Serra. Na imagem em que podem ser vistos os três e um muro, Dilma aparece à esquerda do muro, confiante, desafiadora e bem vestida de vermelho. Marina está em cima do muro, de braços cruzados, com expressão de desânimo e preguiça, roupa descuidada, de cor verde. Serra está à direita vestido em um terno elegante e clássico.  


                           

A charge de Amarildo, publicada na imprensa e em seu blog por ocasião da virada para o 2º turno das eleições presidenciais de 2010, interpreta o posicionamento político dos três candidatos. Marina Silva teve quase 20 milhões votos no 1º turno daquela eleição e passou a ter seu apoio cobiçado por Dilma e Serra. Ela, no entanto, manteve-se neutra e não revelou o voto.  

A afirmação de Serra sobre Marina: "Eu acho que tá mais pra tucano!" tem duplo sentido. O primeiro, que espera seu apoio na eleição. O segundo, classifica a posição indecisa dela a partir da expressão "ainda não!" e no fato de estar cima do muro, parecidos com atitude tucana. E ninguém melhor que um tucano, de acordo com a charge, para identificar alguém com procedimento decisório semelhante.

Esse estigma empregado pelos adversários ao PSDB não tem nada a ver com alguma característica da ave que é símbolo do partido, mas às posições políticas de centro adotadas pela sigla. O partido construiu sua trajetória na linha divisória entre socialismo e liberalismo; conservadorismo e progressismo. 

E não é fácil desvencilhar-se de um estigma não combatido em seu tempo visto que pode adquirir força de verdade. A eleição presidencial deste ano mesmo tem servido para adversários reimprimirem no PSBD a marca da dubiedade. Legítima ou não, ela tem se constituído em desafio de desconstrução discursiva para a campanha de Aécio Neves.  

As roupas dos personagens dizem muito. O vermelho de Dilma, combina com as cores do PT e do comunismo. O verde de Marina, com as cores do seu partido à época, o PV, e a causa ambiental da qual é militante. O terno bem cortado de Serra, inscreve-o como membro da elite econômica e "burguesa", outro estigma que os adversários empregam ao PSDB.

A postura do corpo e seus adereços também marcam posição. Dilma, com aparência de emergente (que guarda no rosto traços da vida parca e de identificação com o povo), cabelos bem cuidados, maquiada, joias, roupa e calçados elegantes, cabeça erguida, determinada, com aparência de gerente ou executiva. Marina, envelhecida, roupa desgastada, cabelos descuidados, sobrancelhas espessas, jeito de quem não superou os trajes e as maneiras da gente simples, vistos socialmente como inadequados para a função que pretende ocupar, cabisbaixa, desanimada, indecisa e de braços cruzados. Serra, embora seja retratado como bem cuidado, elegante e polido, até mesmo pelo gesto de colocar a mão esquerda para trás enquanto conversa, aponta para lugar incerto e há dúvida em seu olhar. 

É interessante observar as coincidências na construção e repetição, pelo meio político, da imagem dos partidos e também dos três principais concorrentes à presidência nas eleições de 2010 e 2014. Esta coincidência alcança até mesmo o candidato Aécio que entrou no lugar de Serra. 

A charge compõe o capítulo 5 do livro, que apresenta as características do gênero textual "Artigo de Opinião". O aluno é orientado a manter-se bem informado acerca do tema que pretende defender, conhecendo, inclusive, os argumentos que sustentam o próprio ponto de vista, bem como as opiniões contrárias. 

Logo no início, apresenta um diálogo com três perguntas e três respostas que parecem frustrar a expectativa das interrogações. O interlocutor é instigado a opinar sobre três mulheres que se destacam: na política, Dilma; na música, Lady Gaga e no esporte, Marta. A primeira pergunta é: "O que você acha de uma mulher na presidência?" A segunda, "Qual sua avaliação sobre o último trabalho de Lady Gaga?" A terceira, "E a Marta, hein? será que ela ainda tem futebol para ser eleita a melhor do mundo?"

Os alunos que estudam com este livro têm entre 11 e 12 anos de idade. As perguntas, principalmente a primeira, exigem conhecimento prévio ampliado e, possivelmente, distante das suas realidades. Ela exige razoáveis conhecimentos político, econômico, social, além de referenciais complexos de comparação. Eles não saberiam comparar, por exemplo, a qualidade do governo presidencial masculino com o feminino. Primeiro, porque Lula, o homem presidente da geração deles, iniciou o 2º mandato quando tinham 3 e 4 anos. Segundo, porque mesmo na idade atual eles ainda não têm maturidade para abstrair as características principais deste governo feminino. 

Sendo assim, cabe ao professor preencher as lacunas de informação faltantes no discurso do aluno (e elas são muitas) para que ele compreenda o assunto. Nesse caso, a visão interpretativa do aluno ficará por conta da subjetividade do professor. E, normalmente, é a visão de mundo apreendida dessa forma em sala de aula que o aluno leva para a vida.

Considerações

A charge publicada no mês de outubro de 2010, em jornais e no blog do Amarildo, representa as tentativas de negociação política de Dilma e Serra para receberem o apoio de Marina em favor de suas candidaturas. Os leitores da época, porque acompanhavam o processo eleitoral, certamente compreenderam sua mensagem política e puderam concordar com ela ou não.

Pois bem. A mesma charge foi inserida no livro didático em dia 31 de janeiro de 2012, com previsão de ser trabalhado em sala de aula em 2014, ano de eleição presidencial. Com a troca de suporte e o distanciamento no tempo, a charge saiu do gênero jornalístico para o didático-pedagógico.

Por mais que se defenda a desideologização automática dos diversos gêneros quando transformados em gêneros de ensino ou de sala de aula, não se pode deixar de considerar que neles ainda permanecem importantes resíduos ideológicos. 

Quando se observa o contexto em que essa charge está inserida, não há como negar sua intenção de formar a opinião do aluno sobre características culturalmente cristalizadas dos três políticos e também do PSDB. 

Embora não sejam ainda eleitores, depois de estudarem esse capítulo do livro que trata da importância de ter opinião, esses alunos se tornam aptos para exercerem sua "criticidade" política com jovens em idade de votar e também com seus pais. Além do mais, essa mesma linha de ideologia política, trabalhada em outros capítulos do mesmo livro e também em outras disciplinas, constrói eleitores ideologicamente replicados para o futuro.

Por que essa charge e não outra em seu lugar para ilustrar o tema do capítulo 5 desse livro? Pode ser que a resposta esteja ligada à coincidência da chegada do livro às escolas públicas em ano de eleição presidencial. 

Um dado a ser observado é que de acordo com o desenho político de 2012, quando o livro foi produzido, esperava-se que em 2014 haveria a repetição da disputa entre os três candidatos de 2010. José Serra ainda era o protagonista no PSDB e Marina lutava para organizar sua Rede Sustentabilidade.

Portanto, estas são ilações possíveis que podem apontar para a existência de doutrinação política e ideológica, cujas sujeitos passivos são crianças de 11 ou 12 anos, pelo menos neste livro didático. 


(*) Este livro faz parte do catálogo do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, da 2ª fase do Ensino Fundamental, para o triênio 2014/16, sob o nº 27484C0L01, e subsidia atualmente o trabalho pedagógico da disciplina de Língua Portuguesa nas escolas públicas pertencentes aos governos federal, distrital, estaduais e municipais. Em escolas seriadas, é utilizado na 6ª série. Nas escolas que adotam o modelo dos Ciclos de Desenvolvimento Humano, é utilizado no agrupamento I do Ciclo III. Em ambos os modelos, o livro serve às crianças de 11 ou 12 anos.



Orley José da Silva, é professor em Goiânia, mestre em letras e linguística (UFG) e mestrando em estudos teológicos (SPRBC).

Anexos:
(o contexto desta postagem)

  

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7 comentários:

  1. Independente da idade dos alunos, o problema está na doutrinação que é realizada.
    Doutrinação essa que pode ser feita de forma muito semelhante em alunos de 11 anos como em alunos de mais de vinte anos, como em programas de alfabetização de jovens e adultos. Pessoas, geralmente, muito alheias a política, que têm a sua confiança depositada nos seus educadores, que se aproveitam disso para impor suas ideologias.

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  2. Perfeito, achei muito voa a charge e ideia de que os alunos discutam o conteúdo com o docente e desenvolvam a partir de suas "imaturidades", a sua visão do conjunto do problema, pois Do contrário teremos a defesa de diversas ideologias religiosas e conflituosas impostassobre as crianças, e isso seria bem pior!

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    1. Que seria justo e pertinente se não usassem figuras emblemáticas da nossa política se não fica uma coisa tendenciosa

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  3. Meu deus quanta besteira hahahhahahah

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  4. Conceitos de moral, política e religiosidade são atributos dos pais não de PROFESSORES, sim pois é isso que eles devem ser, professores, não educadores, quem educa são os pais, quem ensina é o professor. Este deve ensinar ciências, maremática, língua portuguesa etc. O que está havendo é uma inversão de valores e comodismo por parte dos pais o que tem dado livre caminho para os doutrinadores de plantão. Conheci o blog hoje e estou estarrecida sobre como a escola pública se tornou palanque de doutrinação política.

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