Um livro didático de Língua Portuguesa para o 6º ano do Ensino Fundamental (*) estampa duas capas de dias diferentes da Folha de S. Paulo, em cujas edições o escândalo do "mensalão" é manchete destacada. O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, aparecem como protagonistas das matérias que relatam a luta de ambos para se livrarem das acusações de que teriam desviado dinheiro público.
A primeira capa é do dia 4 de setembro de 2005 e traz como título: "Liminar impede expulsão de Delúbio". A explicação vem no subtítulo: "Ex-tesoureiro petista recorre à Justiça e obtém decisão provisória que não permite sua exclusão do partido; PT tem até 5 dias para recorrer". Dentro desta reportagem, há outra menor com o título: "E-mails revelam ação do governo sobre fundos". Embora faça referência ao ex-tesoureiro, não há fotografia dele.
A segunda capa é do dia 25 de setembro de 2005 e traz como título: "PT vai pagar por caixa 2, diz Dirceu". O subtítulo tem desabafo, justificativa e acusação de Dirceu ao PT: "No 'pior momento de sua vida', ex-ministro afirma que partido cometeu ilegalidade, será punido pela Justiça e deve desculpas ao país". Na mesma reportagem, há outra menor com o título: "Receita Federal vai investigar 4 partidos". A reportagem é ilustrada com uma fotografia de José Dirceu, em casa, à vontade, com os pés descalços.
As duas matérias jornalísticas apresentam pelo menos dois pontos da principal linha de defesa usada pelo PT desde o início das investigações: minimizar a importância da participação de seus agentes políticos no escândalo; considerar o caixa 2 ilegal, mas de imoralidade apenas relativa, dada a "nobreza" de sua finalidade "revolucionária" para a vida política e social da nação.
Considerações
As capas do jornal foram inseridas no livro pelas autoras como recurso de auxílio didático e pedagógico para o estudo dos conteúdos: gênero jornalistico, expectativa de leitura, discurso direto, discurso indireto e efeito de sentido.
Não discordo que todos estes conteúdos possam ser explorados e exemplificados a partir dessas matérias jornalisticas. Minha desconfiança é sobre o porquê de escolher justamente este tema e ainda mais de matérias com vieses de simpatia e atenuantes para o crime político e social cometido.
Como esse livro didático foi publicado em 2012 e distribuído às escolas públicas do país neste ano letivo (2014), por que não se lançou mão de matérias jornalisticas mais recentes, próximas ao desfecho do julgamento e condenação dos réus?
É verdade que o livro não interpreta as reportagens, apenas dá publicidade a elas. O passo mais longo dado pelas autoras, foi o da escolha, deliberada ou não, dos textos jornalísticos. A interpretação, no caso, fica a cargo do professor e do aluno.
Neste ponto, pode haver um importante problema. As duas principais teses históricas de defesa do PT para o caso do "mensalão", podem ser cotejadas a partir das reportagens. O aluno de 11 ou 12 anos, não tem maturidade para discernir sobre esta questão que embaraça até adultos.
Caberá ao professor, então, conduzir o processo de compreensão dos textos de acordo com a sua subjetividade. Caso o professor pertença a mesma linha ideológica defendida nas entrelinhas das reportagens, e não haja nele honestidade intelectual, influenciará o aluno para que também acredite nessas verdades.
Assim, em nossas escolas, à maneira da universidade, poderemos ter crianças completamente subjetivadas pela ideologia oficial, considerando os "mensaleiros" como injustiçados e heróis da nação.
Aliás, são comuns nos atuais livros didáticos a presença de figuras ligadas ao Governo e à esquerda brasileira e estrangeira. Elas estão lá ilustrando algum conteúdo, como se não trouxessem em si intenção de propaganda. Pode ser que seja para que as crianças e adolescentes escolares se acostumem com as imagens e os nomes relacionados ao poder e a ideologia dominantes.
Orley José da Silva, é professor em Goiânia, mestre em letras e linguística (UFG) e mestrando em estudos teológicos (SPRBC)
(*) Este livro faz parte do catálogo do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, da 2ª fase do Ensino Fundamental, para o triênio 2014/16, sob o nº 27447C0L01, e subsidia atualmente o trabalho pedagógico da disciplina de Língua Portuguesa nas escolas públicas pertencentes aos governos federal, distrital, estaduais e municipais. Em escolas seriadas, é utilizado na 6ª série. Nas escolas que adotam o modelo dos Ciclos de Desenvolvimento Humano, é utilizado no agrupamento I do Ciclo III. Em ambos os modelos, o livro serve às crianças de 11 ou 12 anos.
Anexos:
(contexto dos textos recortados)
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