sábado, 29 de julho de 2023

A quem interessa o desperdício público de livros didáticos?

Foto: Maria Machado/Arquivo Pessoal. (divulgação)


Algumas redes públicas de ensino do país estão aderindo a uma espécie de terceirização branca ou informal dos seus processos pedagógicos, diante da promessa de conseguirem classificações melhores no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), do Ministério da Educação (MEC).


E o fazem na forma de parceria com fundações, institutos e editoras educacionais do terceiro setor. 


Nesse engenhoso modelo de parceria, que dribla a vigilância e a burocracia das casas legislativas, estados e prefeituras entram com a logística de pessoal e a manutenção da infraestrutura; já as organizações parceiras, assumem a plena administração dos processos pedagógicos.


Esse tipo de organização administrativa, em alguns casos, chega a dispensar o notório saber educacional do secretário de educação. O que se exige dele é a competência para garantir apoio institucional e político aos processos pedagógicos, além de coordenar o funcionamento das atividades meio. 


Isto porque o processo final mesmo, ou seja, o contato direto com a produção educacional realizada pelas unidades educacionais, bem como a administração das estratégias didáticas e pedagógicas, ficam por conta de técnicos prepostos ou que tenham afinidade com a filosofia de trabalho das ditas corporações.


Com isso, pelo menos um fenômeno novo tem surgido nessas redes de educação: o aumento da ociosidade dos materiais didáticos e literários recebidos gratuitamente através do PNLD/MEC. 


As parcerias estabelecidas com o terceiro setor impõem à aquisição de materiais didáticos próprios em forma de livros e apostilas físicos e/ou digitais, cursos docentes de formação continuada, além de simulados e modelos avaliativos para os alunos.


Diante da prioridade para usar os materiais didáticos fornecidos pelas organizações parceiras, é comum que livros gratuitos do PNLD fiquem empilhados em escolas e depósitos, ainda embalados com plástico, aguardando a oportunidade de serem descartados. 


O mais coerente para aproveitar o dinheiro público federal empregado, seria fazer com que esses livros fossem remanejados para as redes públicas de estados e cidades que deles tivessem necessidade.


Por uma questão de bom senso, as redes públicas de ensino veladamente atreladas às fundações educacionais, nas quais injetam dinheiro público, deveriam renunciar ao recebimento anual de livros gratuitos do PNLD/MEC. 


E mais: comunicarem e justificarem à população a decisão de comprarem materiais didáticos, mesmo tendo a opção de os receberem gratuitamente através do MEC.


Em vez disso, redes públicas de educação adquirentes de materiais didáticos de organizações do terceiro setor, insistem em inscrever suas escolas no cadastro do PNLD para o ano letivo seguinte. Para quê? Aumentar o desperdício de material e dinheiro público?


Mesmo porque, os professores e as escolas públicas, sobretudo da alfabetização e do Ensino Fundamental, não conseguem esgotar durante o ano letivo o conteúdo de ambos os lotes de livros: os gratuitos do PNLD/MEC e os adquiridos por meio de projetos de parceria junto às corporações educacionais. 


Sem contar que, neste caso, escolas e professores não têm liberdade para escolherem um dos lotes de livros, pela necessidade de seguirem determinação pedagógica superior das suas redes de ensino. Mesmo que parte dos conteúdos e dos materiais estejam distantes da realidade regional e da necessidade de aprendizado das turmas.


A título de fiscalização do destino que é dado ao dinheiro público, cabe às Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas verificarem se os materiais didáticos do PNLD estão sendo usados pedagogicamente ou empilhados em escolas e depósitos.


À Câmara Federal, cabe modificar a legislação visando corrigir falhas no PNLD/MEC, como a necessidade de facilitar a doação e/ou venda dos materiais didáticos ociosos para outras instituições de ensino conveniadas, filantrópicas e privadas, a fim de que o destino mais óbvio para eles não seja o lixo, mas à carteira escolar de algum aluno.


Orley José da Silva, é professor em Goiânia e particularmente interessado no acompanhamento do currículo, dos materiais didáticos e literários, além das políticas educacionais.


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