quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Sobre discurso de ódio e xenofobia em livros didáticos do MEC para 2020


Em atendimento à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os materiais didáticos recomendados pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD/MEC) para o ano de 2020, de maneira transversal às disciplinas, dedicam mais espaço a temas como discurso de ódio, preconceitos, discriminações, estereótipos sociais e xenofobia. 


Fonte da imagem: Observatório da Imprensa

Esses temas aparecem de forma alternada e diluída nos conteúdos das diferentes disciplinas escolares. Esta postagem objetiva apenas apresentar uma amostra dessa estratégia de abordagem de temas, utilizada em dois livros de Língua Portuguesa e dois de Língua Inglesa, para a segunda fase do Ensino Fundamental.

Para a apresentação dos conteúdos, os autores valem-se da análise e interpretação de reportagens sobre casos que retratem esses temas na sociedade, além de depoimentos, filmes e artigos de opinião. É possível notar que a linha das ilustrações e opiniões analisadas seguem a mesma direção. Como exemplo, apenas neste breve apanhado de páginas destes poucos livros, temos artigos de Leonardo Sakamoto, Frei Betto, Rosely Sayao e o destaque ao jornal Folha de S. Paulo.

O filme THE HATE U GIVE (2018), é uma adaptação homônima do livro da jovem escritora Angie Thomas, 32 anos,  contando a história de uma jovem negra que testemunhou a morte do melhor amigo depois de ter sido alvejado por um   um policial branco. 

A escritora é uma das figuras intelectuais mais importantes para o atual movimento negro. Considera que os seus livros tem a função de "mostrar a verdade e derrubar estereótipos." Além do mais, é defensora do movimento BLACK LIVES MATTER, criado em 2013.


 
    Cartaz publicitário da campanha de lançamento do filme 


O livro foi traduzido para o português por Regiane Winarski e publicado pela Editora Galera, em 2017, com o título: O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA. Quanto ao filme, pode ser encontrado dublado e legendado no YouTube.



Nestas questões, os autores incentivam os alunos a procurarem na internet o sentido de DISCURSO DE ÓDIO. Acontece que a internet é povoada de diversos veios discursivos e certamente a definição que os alunos adolescentes encontrarão será diversa. É possível que os alunos adentrem por um desses veios de significado e, muito provavelmente, poderão ser dirigidos pelas escolhas e linhas ideológicas dos articulistas, filmes e livros apresentados no livro didático. 


Neste trecho os alunos aprendem conceitos de liberdade de expressão e discurso de ódio, de acordo com Leonardo Sakamoto, jornalista e professor, um intelectual ligado à esquerda política.



Trechos do artigo de opinião da psicóloga Rosely Sayão, onde ela expressa sua visão sobre a escola e o comportamento dos pais com relação ao tipo de aprendizado que a escola deveria se prestar.


Entre outras coisas, o texto fala da linguagem que gera na sociedade discriminação e ódio contra a diversidade e a diferença.






Este recorte remete o aluno ao artigo do Frei Betto, em que ele expressa o modelo de escola dos seus sonhos: A escola dos meus sonhos, de Frei Betto




Nas respostas às perguntas sobre o artigo da psicóloga Rosaly Sayão, a ênfase ao jornal Folha de S. Paulo. Um dos veículos de comunicação cujos textos de seus colunistas, articulistas e repórteres são com mais frequência utilizados por autores de livros didáticos.

As orientações pedagógicas aos professores para essas pautas caracterizam-se pela formação da opinião dos alunos. Um modelo capaz de produzir neles o engajamento político: "conscientizar as pessoas dos riscos de estereótipo"  e torná-los em produtores de discursos de convencimento ao público: "Eles podem pensar em frases que causem efeito nos leitores e imagens para ilustrar." Um questionamento que pode ser feito é sobre a maturidade do aluno entre 11 e 14 anos, para um pensamento realmente crítico e não meramente repetitivo do direcionamento ideológico dado pelas coleções e análises do material didático.

As ocorrências apresentadas aqui a título de amostragem foram colhidas em  apenas 3 volumes de Língua Portuguesa para a segunda fase do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano, alunos de 11 a 14 anos), do edital do livro didático de 2020 , cujos livros deverão ficar nas escolas públicas de todo o país por um período de 4 anos, ou seja, até o ano de 2023. 

Vale informar que somente as duas disciplinas contam com aproximadamente 120 volumes nesse edital, sendo bastante provável que ocorrências similares sejam encontradas em outros volumes.

O referido edital, publicado no Diário Oficial da União (DOU) nº 60, página 31, de 28 de março de 2018, é assinado por Rossieli Soares da Silva, em nome da Secretaria de Educação Básica (SEB), Ivana de Oliveira, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e Silvio de Souza Pinheiro, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Para fundamentar a apresentação dos referidos conteúdos, os autores dos livros didáticos mobilizaram algumas habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, homologada em dezembro de 2017 pelo então Ministro da Educação Mendonça Filho, com validade obrigatória nas creches e escolas de todo o país a partir de janeiro deste ano:


(EF67LP20) Realizar pesquisa, a partir de recortes e questões definidos previamente, usando fontes indicadas e abertas.

(EF67LP23) Respeitar os turnos de fala, na participação em conversações e em discussões ou atividades coletivas, na sala de aula e na escola e formular perguntas coerentes e adequadas em momentos oportunos em situações de aulas, apresentação oral, seminário, etc.

(EF69LP01) Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio, posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando possibilidade de denúncia quando for o caso.

(EF69LP25) Posicionar-se de forma consistente e sustentada em uma discussão, assembleia, reuniões de colegiados na escola, de agremiações e outras situações de apresentação de propostas e defesa de opiniões, respeitando as opiniões contrárias e propostas de alternativas e fundamentando seus posicionamentos, no tempo de fala previsto, valendo-se de sínteses e propostas claras e justificadas.

(EF09LI19) Discutir a comunicação intercultural por meio da língua inglesa como mecanismo de valorização pessoal e de construção de identidades no mundo globalizado.

Esta matéria faz parte de um conjunto de 15 que este blog publica, dedicadas aos materiais didáticos recomendados pelo MEC para o ano de 2020. Procure conhecê-las clicando nos links: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,


Orley José da Silva, é professor em Goiânia, mestre em letras e linguística (UFG) e doutorando em ciências da religião (PUC Goiás).



Livro 1


Livro 1


Livro 2

Livro 2


Livro 2


Livro 3


Livro 3


Livro 3


Livro 3


Livro 3


Livro 4


Livro 4

Livro 1


Livro 2


Livro 3


Livro 4


 

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